No 89 - Ano VIII - Maio de 2003
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Contemplo
esse exemplo de ritual oculto do tango.
O salão de baile é seu templo. Tal
como crente fiel em cerimônia santa, eu venero a percanta que dança,
dando ação à musica que encanta. E
porque pela beleza tenho apreço, porque admiro coisas e pessoas belas, a
mulher que baila o tango eu enalteço, não é só aquela, todas elas. Ah!
Eu vos saúdo, flores das milongas, mulheres deslumbrantes,
bailarinas todas, de todos os bailongos, veteranas na dança ou
iniciantes, garbosas nos giros e nas medialunas, nos ganchos e nos
passos longos. No
rendilhado de um inesperado enfeite, na sutieza de seus andares
harmoniosos, proporcionais apaixonantes horas de deleite a quantos
observam seus movimentos formosos. Não sabeis que quando as vejo no salão, em cada instante tocante da coreografia me ofereceis momentos de emoção, devaneios, sonhos, sentimentos de magia. Sergio Guerra (Flores da Milonga, Antologia Tango Poesia) |
Cantemos |
(Tango –
1928) Música: Juan B. Deambroggio Letra: Pascual Contursi |
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Bandoneón
arrabalero, viejo fueye desinflado...! Te
encontré como a un pebete que su madre abandonó en
la puerta de un convento sin revoque en las paredes, a
la luz de un farolito que de noche alumbró. Bandoneón, porque
ves que estoy triste y cantar ya no puedo, Vos
sabés que
yo llevo en el alma marcado un dolor. Te
llevé para mí pieza, te acuné en mi pecho frío... Yo
también abandonado me encontraba en el bulín... Has
querido consolarme con tu voz enronquecida y tu nota dolorida aumentó mi berretín. |
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Assim se tece a história |
Poeta,
autor teatral e cantor diletante, nasceu em Chivilcoy, cidade rural da fértil
pampa argentina, 170 km a oeste de Buenos Aires, em 18 de novembro de 1888,
tendo mudado ainda criança para a capital com sua família, indo residir no
antigo e humilde bairro de San Cristóbal.
A
letra de tango foi criação sua,
e com
ela converteu
o tango na
canção sentimental de Buenos Aires. Introduziu temas humanos de valor universal: a nostalgia, a
melancolia, as frustrações do amor, a ambição, a cobiça, a decadência e
a injustiça - apesar de seu universo
específico ter sido a vida prostibulária, com seus rufiões e rameiras.
Naquelas primeiras décadas do século vinte, o fluxo imigratório tinha trazido centenas de milhares de homens solitários, que alimentaram um enorme mercado do
sexo.
Filósofo,
crítico e sarcástico em Champagne tangó (música de Manuel Aróztegui),
"Ivette" (Julio Roca) e "Flor de fango" (Augusto Gentile),
todos de 1914, Contursi não manteria sempre esse nível.
Talvez devêssemos mencionar, entre o restante de sua produção, o
burlesco "La mina del Ford", de 1924 (com Fidel del Negro e Antonio
Scatasso), mas sobretudo "Ventanita de arrabal" (com Scatasso), que
escreveu em 1927 para sua revista "Caferata" (termo lunfardo que
designava o proxeneta).
Transcendendo
as letras volúveis e maliciosas do tango primitivo, Contursi, radicado então
em Montevidéu, capital do Uruguai, estabeleceu entre 1914 e 1915 as novas
coordenadas poéticas do gênero, que incluíram como particularidade - em
alguns casos - o relato de todo um argumento, desenvolvido em poucos versos.
Tal é o caso de "De volta al bulín", que escreveu em 1914,
sobre a música do pianista José Martínez.
Contursi costumava colocar letra em tangos instrumentais da época,
posteriormente identificada como "La Guardia Vieja".
Viajou
à Europa em 1927 para morar sucessivamente na Espanha e na França.
Voltaria em 1932 a Buenos Aires, poucos dias antes de morrer, num patético
regresso, perdida a razão. Foi
Gardel quem se encarregou de repatriá-lo de Paris.
Ali tinha escrito, em 1928, com música de Juan Bautista Deambroggio
"Bachicha", um de seus tangos mais comovedores: "Bandoneón
arrabalero", que mostra, talvez como nenhum até então, a profunda relação
afetiva entre dois abandonados: um homem e um bandoneón.
Fonte:
Todo Tango (trad. RM)