No 56 - Ano V - Agosto de 2000


"Os dançarinos" - Fernando Botero

Onde vamos dançar hoje? Onde vão nossos amigos? O que faz uma milonga ser atrativa? Um pouco de tudo. Quem a freqüenta, precisa acreditar nela, fazer sua parte para que a "engrenagem" gire harmoniosamente. Por sua vez, a simpatia do anfitrião também é importantíssima para o êxito da noitada. O local deve ter um quê de atraente, aconchegante - às vezes até original... Um serviço bem orientado nos bastidores, quase imperceptível, é um dos segredos para que as pessoas se sintam à vontade. Quem não gosta de ser bem recebido, bem acomodado e um pouco mimado?

Afinal, aqueles que freqüentam um baile, uma milonga ou até mesmo uma prática são seu termômetro e, à medida que vão usufruindo do bem-estar que a boa receptividade, a agradável sonorização e o clima do lugar proporcionam, sentem-se cada vez mais queridos, envolvem-se em bons papos, saboreiam petiscos, bebem algo, ou apenas dançam... Aí nasce a vontade de voltar ao mesmo lugar na próxima semana ou quinzena, ou até qualquer outro dia... Por outro lado, quando não se dá essa química (ainda bem que não temos muitos exemplos disso), fica-se com um travo de decepção, um sentimento de vazio interior... 

Freqüentemos - imaginemos as milongas um cantinho de nossas casas, aquele canto onde nós nos aconchegamos para ouvir tangos, valses e milongas e "viajar" no tempo e no espaço... - dividindo com todos à volta nosso amor pelo Tango.

(RM)

 

 

Cantemos...   

(Vals) 

Letra:  Homero Manzi                                                                  Música:  Sebastián Piana

Te compré una tarde, paisaje lejano,

el marco dorado y el tema otoñal.

Te colgué en el muro frente a su retrato,

frente a su retrato que ya no está más.

 

Es tal vez por eso que recién me angustian,

tu tono velado, tu sombra, tu gris,

Tu cielo techado de nubes y bruma,

tu parque llorando com lluvia de Abril.

 

¿Quién será, quién será que en tu tela pintó

la quietud otoñal del pinar?

¿Y esa luz de olvido y el confín perdido,

y el camino herido de azul y de soledad?

 

¿Quién será que una vez te encontró como sos

y logró comprender tu color?

¿Que alma, que alma buena vio la pena, pena

de la nube gris, del camino azul, del dolor de Abril?

 

Assim se tece a história

Sebastián Piana

Nasceu em Buenos Aires em 1903, no bairro de Almagro, numa família de imigrantes italianos. Seu pai, cabeleireiro e músico diletante, tocava bandolim, guitarra e piano. Foi ele que o incentivou, presenteando-o com diversos instrumentos e o menino, com dez anos, já estudava música junto a seu pai. Estudou também no Instituto Musical Odeón, com o professor D'Agostino. Com 12 anos debutou num trio infantil e com 17, já como profissional, tocava valses e trechos de ópera num cinema de bairro, além de dar aulas de piano, demonstrando assim sua precocidade musical. Um dia, a dona do cinema sugeriu-lhe que formasse um conjunto - e o formou: com Adolfo Pugliese (pai de Osvaldo) na flauta e Carmelo Lofreda no violino. Apesar disso continuou alheio ao tango. Paradoxal seria afirmar que já por esses dias nasciam seus primeiros tangos, sem sua assinatura, quando afirmava que "o fazia apenas para agradar a seu pai". O que aquele jovem não imaginava era que ali estava surgindo um dos grandes compositores da música portenha.

A partir dali, surgiriam da inspiração de Piana tangos como: Viejo ciego, El pescante, Turbión, ¡Dale, dale!, Quinta edición, De ayer a hoy; Tus palabras (com Homero Manzi), Sobre el pucho, Silbando (com José G. Castillo), Tinta Roja, Arrabalera (com Cátulo Castillo), ¡Mirá que es pa' reír!, Mi barrio payador, Mi perro Chango, La sombra de tu sombra, Tango adentro vos y yo (com Julián Centeya), No aflojés! (com Mario Batistella) e outros. Produziu também alguns valses célebres, como Esquinas porteñas, Paisaje (Manzi) e Caserón de tejas (Cátulo Castillo). E suas milongas imortais como Milonga sentimental, Milonga del 900, Milonga triste, Betinoti, Milonga de Puente Alsina (com Manzi), Planchadora doble brillo, Tu voz que se fue en tabaco (com Centeya), Milonga del muerto (com Jorge Luis Borges), e do gênero milonga-candombe, do qual foi criador, com Pena mulata e Papá Baltasar(Manzi) e Carumbaié (Centeya), e muitas outras.

Em 1963 foi nomeado para a Academia Portenha de Lunfardo, cuja presidência exerceu a partir de 1985. Em seus derradeiros anos, foi coberto de homenagens, porém curtia uma profunda amargura: "Das minhas composições só cantam Tinta roja, não sei porque continuo compondo...", dizia. Em 17 de julho de 1994, ainda intelectual e espiritualmente jovem, partiu desta vida. Porém, sem dúvida, já nos havia legado algumas das mais belas melodias de Buenos Aires.

(Trad. RM)

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