Autor:  JORGE PALACIO (FARUK)                                              Tradução:  Raquel Mellman  

Don José Terrazas era um solteirão que nunca saía a parte alguma e se distraía apenas tocando o bandoneón.  Nem sequer ia “de casa ao trabalho e do trabalho para casa”, porque ambos ocupavam o mesmo prédio:  na frente, a serralheria “O Parafuso Indiscreto” e nos fundos, sua casa, onde vivia sozinho como um cachorro.  Como um cachorro que vive só.

Numa manhã de outono que llovía llovía, quando a loja ainda estava fechada, leves batidas na porta de ferro acordaram Don José.  Este, muito danado, levantou-se e se dirigiu até a porta da loja, de camiseta e ceroulas.  Antes de abrir, perguntou muito educadamente:  “Que diabos queres a esta hora, cretino?”.  Respondeu-lhe uma vozinha de mulher dizendo:  “Abra, por favor, venho curar tua desbotada febre de amor”.

O comerciante, sem entender nada, levantou a porta e deu de cara com uma mocinha humilde vestida com un sombrerito pobre y el tapado marrón de segunda mão comprados numa feira americana.  Disse apenas que se chamava María Carancanfunfa e que era o eco de una vieja canción.  E desde esse momento, ele a chamou solamente María porque seu sobrenome era difícil de pronunciar.

Pela primeira vez em seus 68 anos de vida, José se apaixonou profundamente por uma mulher, e à primeira vista.  Naquele instante, ele a acolheu e a fez hondamente sua.

As pessoas do bairro se admiravam ao ver pregada na porta de ferro da serralheria o cartaz de “Fechado para Balanço”, que já durava sete meses.  Nem suspeitavam que por detrás dessa proteção metálica, José e a doce María viviam um ardoroso romance.

Uma manhã de outono do ano seguinte, enquanto colocava el sombrerito pobre y el tapado marrón, María disse a José:  “Ya no hay nada entre los dos”.  E saiu por las calles del adiós.

Achando que María estava de brincadeira, José esperou sua volta tomando mate em sua cama.  Para passar o tempo, quis tocar uns tanguinhos no seu bandoneón.  Aí se deu conta de algo terrível:  María foi embora levando seu bandoneón, mais cinco martelos, uma escada, uma caixa de pregos, três quilos de cimento e dez alicates bico-de-papagaio!

Amargurado pela traição, dirigiu-se a um boteco do Paseo Colón, onde encontrou um bêbado sentado num canto escuro.  José contou-lhe seu drama e este lhe disse:  “María Carancanfunfa?  Então você ainda teve sorte!  De mim, em três meses, ela papou a mercearia, a barraca da feira, a balança e o mostruário!

Fonte:   EL TANGAUTA, novembro 1998, com autorização para reprodução no Boletim Rio Tango

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