Graciela H. López                                                         Tradução:  Raquel M.  

O cabeceo, esse orgulho dos dançarinos de tango, essa entidade própria.  Esse sinal de algum modo secreto, mas feito em público.  Esse laço que cruza a pista de forma invisível ou apenas sugerida. 

O cabeceo, toda uma instituição.  Um monumento tangueiro, antigo como uma relíquia, mas vigente e útil na atualidade.

Há quem diga que é anacrônico, algo ultrapassado, que deve dar lugar a formas modernas de relação entre homens e mulheres que dançam tango, como acontece na vida cotidiana.  E é aceito que em algumas milongas mais jovens ou informais tudo isso se transforme.

Mas o tango é um jogo que justamente escapa ao cotidiano.

E há jogos, nos quais ninguém pensa em mudar as regras.  Cada qual se adapta ao seu estilo, às normas preexistentes.  Todo aquele que deseja jogar, deve aprender as normas do xadrez, por exemplo.

Dizem que o cabeceo é antigo, porque afirma mais os direitos do homem, já que é o único que pode fazer esse bendito sinal de convite.  O único que pode “cabecear” para uma mulher de longe.  Ela deve limitar-se a esperar que a convidem.

Talvez tenha sido assim antigamente.  Mas hoje, podemos adaptar o mesmo costume ao nosso estilo atual.

Uma mulher pode, a princípio, recusar os convites que não lhe interessam, apenas com o jeito de olhar, “varrendo” ao redor sem deter-se no rosto de quem a convidou.  Isto é o clássico.  Mas também pode jogar ativamente escolhendo com o olhar o cavalheiro que lhe agrada para dançar.  É uma arte, sem dúvida, que algumas exímias praticam deliciosamente, enquanto outras, mais novas ou tímidas, quase não conseguem desfrutar.

Mas ninguém poderá negar que se trata de uma arte, um modo sábio de fazer algo, uma habilidade elegante, renovada cada vez, em cada retorno.

Todos podemos ver grande parte do jogo a partir de nossas mesas, e assim vejo que um senhor que cabeceou sem sucesso a uma loura, gira rapidamente sua cabeça em minha direção.  Tenho uma sensação de “segunda” em sua escolha e minha primeira reação é ficar ofendida.

Depois acho graça e aceito, lembrando-me das vezes que fiz o mesmo, e pacientemente alguém esperou várias tandas até que eu aceitasse seu convite.

Se ele dança bem, admitir um convite de segunda (ou terceira) vale a pena.  Talvez descubra que seria bom ter-me percebido ANTES.  Talvez não.  Correr esse risco faz parte do jogo.

É melhor que o cavalheiro venha até a nossa mesa para nos convidar?  Ou talvez  nós é que devêssemos ir até ele?  Todas as opiniões parecem encerrar pequenos rasgos de verdade.

Pessoalmente, me incomoda muito que qualquer homem chegue até minha mesa para me convidar a dançar, porque isso me torna impossível a recusa, a qual me parece ofensiva, e não consigo ter a coragem de dizer NÃO, como já vi com espanto outras damas fazerem.

Então me vejo forçada a ir dançar, e como não é do meu agrado, faço-o sem vontade.  É uma tanda estúpida e sem graça, que danço por obrigação, me insultando por dentro, chamando-me covarde, e cobrindo-me de toda sorte de impropérios.

É algo tão diferente do encanto desse sinal compartilhado.  Porque o cabeceo é algo combinado por ambas as partes.  É um pacto, um convênio de olhares, de sorrisos, de expectativa construída através de muito tempo, às vezes anos.

Há gente que passa anos olhando-se, reconhecendo esse rosto semana após semana na mesma milonga sem que se produza o milagre.

Talvez não aconteça nunca, mas às vezes – surpresa! – esse homem que jamais me olhava, nessa noite especial, me convida com um cabeceo preciso e inequívoco..

Não há nada comparável a essa expectativa, esse momento mágico no qual a pista está completamente vazia e a música marca o começo de uma nova tanda.

É como a espera pelas fériass ou pelo final de semana, com seu futuro, seu desejo ainda não realizado.  É como embaralhar e dar as cartas novamente, como quando éramos pequenos e começávamos outro caderno, com capricho e boa letra.

Da mesma forma quando se joga o truco, existem piscadas e sinais que outros não vêem, habilidade para tentar descobri-los, bom humor e cartas ganhadoras.  Também mentiras salvadoras e sobretudo clima de diversão e desejo.  Clima de suspense, onde ainda não se descobre quem ganha e quem perde.  Clima de “pode tudo”, de arrogância e audácia.

O cabeceo, toda uma instituição.  Tomara que possamos conservá-lo sempre e continuar jogando.

 

 (Conto publicado na revista ABS Informa, número 41 - dez2003