Autor:  Ernesto "Mago" Bermúdez (*)                                                                                                                               Tradução:  Raquel Mellman

 

Uma grande pergunta que me assaltou quando comecei a participar deste rito noctívago chamado milonga: "O que faz com que as mulheres escolham alguns homens e desistam de outros?"

As primeiras suposições (a aparência, a pose, os passos, me dizem e diziam alguns habitués experientes, quando lhes fazia a pergunta-tabu) me guiaram por falsos caminhos.  Esmerava-me na apresentação, na atitude e na quantidade e qualidade de figuras e passos que aprendia; mas ainda assim a resposta escapulia ao meu entendimento.  Só apareceu depois de algum tempo de eu ter desistido de procurá-la.  Quando uma eventual parceira, muito gentilmente, me elogiou depois de dançar uma música, perguntei do que ela tinha gostado mais.  Do abraço.  Era essa a resposta simples e concisa que tanto eu procurava!

Então surgiram outras perguntas:  Por que o abraço parece ser a busca universalmente usada com uma desculpa chamada dança?  O que se transmite e que questões além do tango se propõem no momento do abraço?  O que existe a mais da óbvia sedução?

Ao observar mais detalhadamente essa entidade única de quatro extremidades, duas cabeças unidas e um só coração que concorda quando os parceiros dançam, uma palavra surgiu: ternura.

Segundo Freud, a ternura aparece nos primeiros meses da vida da criança na relação com a mãe, depois de satisfeitas suas necessidades fisiológicas (fome, sede, limpeza, manutenção), além de outras necessidades básicas como são as "sensuais" (impulsos sexuais), que serão importantes em outras etapas da vida.

De algum modo, um momento de ternura é uma reprodução das primeiras experiências do bebê, onde o que impera é o cuidado.  A grande magia do abraço tangueiro está na ternura manifesta que transmite uma sensação de cuidado, carinho e proteção para com o outro, até nos fazer sentir a jovialidade e alegria da primeira infância.

Outra explicação possível, que somamos à anterior, encontramos em Jung, que nos fala dos arquétipos.  Um dos arquétipos que as mulheres possuem é o ânimus, seu lado masculino, e sua contrapartida nos homens é o ânima, lado feminino que todo homem possui.  O objetivo da terapia junguiana, o "processo da individualização" está estreitamente vinculado à reconciliação com o ânima por parte do homem e com o ânimus par parte da mulher, o qual levaria à "cura da alma", que é a tradução literal da palavra psicoterapia.  No momento do abraço produzir-se-ia uma reconciliação dos parceiros com seus respectivos arquétipos, traduzida numa transmutação de energias que, apesar de não resultar numa cura completa, pelo menos proporciona um tratamento de primeiros socorros à alma.

De uma perspectiva milongueira, a mulher nos braços do homem entrega sua confiança, sua mente e seu corpo ao cuidado deste, que assume a total responsabilidade por sua parceira nos próximos três minutos.  Tal combinação de papéis e entrega de confiança, que se renova com cada tango, se vê no casal deslizando suavemente por toda a pista, enquanto ela, de olhos fechados, deixa-se levar numa viagem desconhecida e misteriosa.  Ele, por sua vez, transforma-se no comandante protetor e guia dessa viagem, assumindo a responsabilidade de chegar a um porto seguro, proporcionando também diversão e a surpresa de seus passos e figuras.

Virginia Satir disse que necessitamos de quatro abraços por dia para sobreviver, oito para nos manter e dize para crescer.  Minha opinião é que o tango nos dá a quantidade de abraços necessários que nos permitem conseguir o impossível, ou seja, converter os sonhos em realidade.

(*) Professor de Tango  (in B.A. Tango - dez/2006)

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